O P.e António Martins de Faria nasceu em
Barcelos em 28 de Setembro de 1837. Era filho de Francisco Martins de Jesus e
Helena Rosa de Jesus. Cursou os preparatórios no Real Colégio de D. Fernando,
em Landim, Vila Nova de Famalicão e, estudante distinto, concluiu no Seminário
Conciliar de Braga o curso teológico trienal em dois anos, sendo ordenado
sacerdote em 1860 por D. José Joaquim de Azevedo e Moura.
Começou por servir como pároco
encomendado em Martim e Mariz, no concelho de Barcelos, antes de ser colado em
Balasar em 1873; daí transitou, em Novembro de 1882, para Beiriz, onde sucedeu
a um sacerdote conceituado, Carlos Felizardo da Fonseca Moniz.
Faleceu na Póvoa de Varzim, na Praça do
Almada, em casa de um irmão, em 16 de Outubro de 1913. Foi arcipreste desde
1898.
Fez testamento em 9 de Outubro de 1904,
legando os seus bens a uma irmã[1].
Num legado que deixou à Confraria do
Santíssimo de Beiriz estipulou, entre outras, uma missa anual “por todos os que
foram meus paroquianos nas freguesias de Martim, Mariz, Balasar e Beiriz”,
disposição digna de um pároco aplicado e piedoso.
Juntamente com outros escritores, fundou
vários jornais na sua terra natal, nomeadamente Lei e Ordem; colaborou no Almanaque
de Lembranças Luso-Brasileiro, na Voz
da Verdade, etc. e em dois poveiros, principalmente a Estrela Povoense.
Publicou um opúsculo sobre Santa Eulália de Mérida, em 1895, e
dois pequenos livros de poemas, Vozes de
Alma (1908, com reedição aumentada em 1910) e Últimas Vozes (1913). Nas Vozes
de Alma, republica o poema sobre Santa Eulália.
A Estrela
Povoense declarou-o “insigne jornalista, mimoso poeta, orador apostólico e
pároco exemplar”.
O
que fez em Balasar e Beiriz
Chegou-nos pouca notícia da sua acção em
Balasar, embora tenha sido presidente da Junta de Paróquia num importante
momento nacional de viragem. Sabemos que baptizou a D. Ana e o António Xavier,
sepultou dois notáveis, Luís Joaquim de Oliveira, o Cirurgião da Bicha que
curou a D. Maria II, e António José dos Santos, um dos primeiros
administradores do concelho poveiro depois do liberalismo.
Na altura, dedicava-se com certeza ao
jornalismo, onde há-de ter atingido notoriedade, pois a sua ida posterior para
Beiriz supõe que fosse especialmente conceituado: esta era uma freguesia rica
para onde tradicionalmente eram enviados sacerdotes distintos.
Parece que foi em Beiriz, que paroquiou
durante 31 anos, que ele se fez poeta. É sabido que aí se interessou pela
política, que deu alguma colaboração à imprensa poveira, que teve um exemplar
relacionamento com muitas pessoas, que perdoou côngruas aos paroquianos[2]
(por lhe não serem indispensáveis), etc.
O P.e António Martins de Faria causou
grande e positiva impressão nos contemporâneos, como a imprensa deu conta por
altura do seu falecimento. Ele não foi um teórico, um Fr. Tomás que pregasse
para os outros sem dar o exemplo: podia ter enriquecido, mas perdoava as
côngruas a que tinha direito e por isso morreu quase pobre; falou dos seus
problemas como homem da Igreja, falou da sua devoção: estão na sua poesia
dramas pessoais e preocupações culturais próprias do tempo. Está lá o combate
ao ateísmo que então ganhava espaço, está lá a perseguição republicana dos
últimos anos da sua vida, está lá o seu empenho em imunizar a comunidade que
dirigia dos males que a podiam afectar.
Os seus poemas não visam o divertimento
poético ou a vaidade artística, os temas é que impõem as composições.
O P.e António Martins de Faria vinha do
tempo da Questão Coimbrã (1865) e depois das Conferências do Casino (1871), que
deram voz à irreligiosidade originada em certas elites europeias e donde
nasceram correntes de satanismo, de ateísmo, de ridicularização do
cristianismo.
A hierarquia católica demorou a
refazer-se das sucessivas humilhações começadas com o liberalismo e a
adaptar-se aos novos tempos. Mas em finais do século, a sua reacção tornou-se
mais decidida. O P.e António Martins de Faria poetou em finais do séc. XIX e
princípios do XX, que foi o tempo do sucesso dos novos autores mais ou menos
abertamente ateus (Eça, Antero, etc.)
A
poesia que a escola ensina
A poesia que a escola ensina muitas
vezes não é a que mais aceitação mereceu dos contemporâneos dos seus autores.
Cesário Verde ou Camilo Pessanha foram ignorados em vida enquanto um João de
Deus foi valorizadíssimo. Fernando Pessoa foi em vida um poeta apagado enquanto
António Correia de Oliveira recebia gerais elogios.
A escola selecciona a poesia que ensina
à juventude segundo critérios estéticos, mas também ideológicos. E não a pode
ensinar toda.
Haverá muito boa poesia que ela deixa de
lado? Com certeza.
Deveria ser possível publicar antologias
de boa e bela poesia, sobretudo daquela poesia que não agride os bons
sentimentos. Essa agressão creio que é o principal “mérito” de um poeta como
José Régio. Se lhe tirarmos isso, deve ficar muito pouco.
Depois, acontece que mesmo nos poetas
que a escola ensina ela ainda selecciona, deixando às vezes de parte poesia da
melhor. Há casos em Camões, em Bocage, etc. Misturam-se nisso preconceitos,
preguiça mental e ignorância.
Passemos à poesia do P.e António Martins
de Faria.
Abreviaturas:
VA – Vozes de Alma
UV – Últimas Vozes
[1]
Embora o começo dos testamentos fosse no geral parecido, colocamos aqui o deste
sacerdote:
“Em nome da Santíssima
Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo.
Rogo a Deus, meu Senhor e
meu Criador, pelos infinitos merecimentos de seu unigénito Filho, meu Senhor e
Salvador, Jesus Cristo, e pela intercessão da Santíssima Virgem Maria, Anjos e
Santos do Céu, que, quando aprouver à sua divina Providência tirar-me deste
mundo, seja servido por sua clemência esquecer os meus pecados e receber a
minha pobre alma no seio da sua infinita misericórdia”.
[2]
O Estado apropriara-se de bens da Paróquia de Beiriz e em consequência disso passara
a pagar uma renda ao pároco. Era esta renda que ele recebia que lhe permitia
prescindir, voluntariamente, das côngruas.