sexta-feira, 26 de julho de 2013

Informação biográfica

O P.e António Martins de Faria nasceu em Barcelos em 28 de Setembro de 1837. Era filho de Francisco Martins de Jesus e Helena Rosa de Jesus. Cursou os preparatórios no Real Colégio de D. Fernando, em Landim, Vila Nova de Famalicão e, estudante distinto, concluiu no Seminário Conciliar de Braga o curso teológico trienal em dois anos, sendo ordenado sacerdote em 1860 por D. José Joaquim de Azevedo e Moura.
Começou por servir como pároco encomendado em Martim e Mariz, no concelho de Barcelos, antes de ser colado em Balasar em 1873; daí transitou, em Novembro de 1882, para Beiriz, onde sucedeu a um sacerdote conceituado, Carlos Felizardo da Fonseca Moniz.
Faleceu na Póvoa de Varzim, na Praça do Almada, em casa de um irmão, em 16 de Outubro de 1913. Foi arcipreste desde 1898.
Fez testamento em 9 de Outubro de 1904, legando os seus bens a uma irmã[1].
Num legado que deixou à Confraria do Santíssimo de Beiriz estipulou, entre outras, uma missa anual “por todos os que foram meus paroquianos nas freguesias de Martim, Mariz, Balasar e Beiriz”, disposição digna de um pároco aplicado e piedoso.
Juntamente com outros escritores, fundou vários jornais na sua terra natal, nomeadamente Lei e Ordem; colaborou no Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro, na Voz da Verdade, etc. e em dois poveiros, principalmente a Estrela Povoense.
Publicou um opúsculo sobre Santa Eulália de Mérida, em 1895, e dois pequenos livros de poemas, Vozes de Alma (1908, com reedição aumentada em 1910) e Últimas Vozes (1913). Nas Vozes de Alma, republica o poema sobre Santa Eulália.
A Estrela Povoense declarou-o “insigne jornalista, mimoso poeta, orador apostólico e pároco exemplar”.
  
O que fez em Balasar e Beiriz

Chegou-nos pouca notícia da sua acção em Balasar, embora tenha sido presidente da Junta de Paróquia num importante momento nacional de viragem. Sabemos que baptizou a D. Ana e o António Xavier, sepultou dois notáveis, Luís Joaquim de Oliveira, o Cirurgião da Bicha que curou a D. Maria II, e António José dos Santos, um dos primeiros administradores do concelho poveiro depois do liberalismo.
Na altura, dedicava-se com certeza ao jornalismo, onde há-de ter atingido notoriedade, pois a sua ida posterior para Beiriz supõe que fosse especialmente conceituado: esta era uma freguesia rica para onde tradicionalmente eram enviados sacerdotes distintos.

Parece que foi em Beiriz, que paroquiou durante 31 anos, que ele se fez poeta. É sabido que aí se interessou pela política, que deu alguma colaboração à imprensa poveira, que teve um exemplar relacionamento com muitas pessoas, que perdoou côngruas aos paroquianos[2] (por lhe não serem indispensáveis), etc.
O P.e António Martins de Faria causou grande e positiva impressão nos contemporâneos, como a imprensa deu conta por altura do seu falecimento. Ele não foi um teórico, um Fr. Tomás que pregasse para os outros sem dar o exemplo: podia ter enriquecido, mas perdoava as côngruas a que tinha direito e por isso morreu quase pobre; falou dos seus problemas como homem da Igreja, falou da sua devoção: estão na sua poesia dramas pessoais e preocupações culturais próprias do tempo. Está lá o combate ao ateísmo que então ganhava espaço, está lá a perseguição republicana dos últimos anos da sua vida, está lá o seu empenho em imunizar a comunidade que dirigia dos males que a podiam afectar.
Os seus poemas não visam o divertimento poético ou a vaidade artística, os temas é que impõem as composições.
O P.e António Martins de Faria vinha do tempo da Questão Coimbrã (1865) e depois das Conferências do Casino (1871), que deram voz à irreligiosidade originada em certas elites europeias e donde nasceram correntes de satanismo, de ateísmo, de ridicularização do cristianismo.
A hierarquia católica demorou a refazer-se das sucessivas humilhações começadas com o liberalismo e a adaptar-se aos novos tempos. Mas em finais do século, a sua reacção tornou-se mais decidida. O P.e António Martins de Faria poetou em finais do séc. XIX e princípios do XX, que foi o tempo do sucesso dos novos autores mais ou menos abertamente ateus (Eça, Antero, etc.)
  
A poesia que a escola ensina

A poesia que a escola ensina muitas vezes não é a que mais aceitação mereceu dos contemporâneos dos seus autores. Cesário Verde ou Camilo Pessanha foram ignorados em vida enquanto um João de Deus foi valorizadíssimo. Fernando Pessoa foi em vida um poeta apagado enquanto António Correia de Oliveira recebia gerais elogios.
A escola selecciona a poesia que ensina à juventude segundo critérios estéticos, mas também ideológicos. E não a pode ensinar toda.
Haverá muito boa poesia que ela deixa de lado? Com certeza.
Deveria ser possível publicar antologias de boa e bela poesia, sobretudo daquela poesia que não agride os bons sentimentos. Essa agressão creio que é o principal “mérito” de um poeta como José Régio. Se lhe tirarmos isso, deve ficar muito pouco.
Depois, acontece que mesmo nos poetas que a escola ensina ela ainda selecciona, deixando às vezes de parte poesia da melhor. Há casos em Camões, em Bocage, etc. Misturam-se nisso preconceitos, preguiça mental e ignorância.

Passemos à poesia do P.e António Martins de Faria.
Abreviaturas:
VA – Vozes de Alma
UV – Últimas Vozes



[1] Embora o começo dos testamentos fosse no geral parecido, colocamos aqui o deste sacerdote:
“Em nome da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo.
Rogo a Deus, meu Senhor e meu Criador, pelos infinitos merecimentos de seu unigénito Filho, meu Senhor e Salvador, Jesus Cristo, e pela intercessão da Santíssima Virgem Maria, Anjos e Santos do Céu, que, quando aprouver à sua divina Providência tirar-me deste mundo, seja servido por sua clemência esquecer os meus pecados e receber a minha pobre alma no seio da sua infinita misericórdia”.
[2] O Estado apropriara-se de bens da Paróquia de Beiriz e em consequência disso passara a pagar uma renda ao pároco. Era esta renda que ele recebia que lhe permitia prescindir, voluntariamente, das côngruas.

Tema mariano

Imaculada

Nondum erant abyssi, et ego jam concepta eram[1].
Provérbios, C. 8

Inda o céu não tinha sol,
Nem tinha a terra luar;
Ondas não tinha o mar,
Nem trinos o rouxinol;

Inda o murmúrio das fontes
Nas cercas não ressoava,
Nem a neve inda toucava
De branco as cristas dos montes;

Inda a luz não espargia
Seus raios sobre a campina,
Nem tão pouco inda a bonina
De enfeite aos prados servia;

Inda não era criado –
Nem terra, nem mar, nem céus –
E já, na mente de Deus,
Era a Virgem sem pecado.

VA


Coração de Maria

Coração de Maria imaculado,
De quem, por mais que diga, nada digo;
Contra a fúria do vício e do pecado,
Tu és o meu amparo, o meu abrigo.

Além de cireneu na grande lida
Deste duro levar da minha cruz,
Tu és, na noite escura desta vida,
Meu farol, minha estrela, a minha luz.

Neste desterro, neste vale de dores,
Que os seios rasgam tão doridos de alma,
Tu és o vaso de mimosas flores
Cujo perfume minhas dores acalma.

Tu és ainda neste mar cavado
Minha âncora, o meu leme, o barco meu;
É nele salvo, espero confiado,
Que ao reino, um dia, chegarei do Céu.

VA


Mater Purissima
(Mãe Puríssima)

Ladainha

Se à Virgem, Mãe da Pureza,
Querem dar provas de amor,
Dê-lhe o céu o seu fulgor
E a terra sua beleza.

Dê-lhe o sol seus arrebóis
E as suas per’las o mar;
Dê-lhe a lua o seu luar
E o seu canto os rouxinóis.

Dê-lhe a fonte os seus cristais
E as suas flor’s o vergel;
Dê-lhe a colmeia seu mel
E seu perfume os rosais.

Dê-lhe o poeta canções;
Dê-lhe quadros o pintor;
E vós, almas do Senhor,
Dai-lhe os vossos… Corações.

VA

[1] Ainda não havia os abismos e já eu tinha sido criada.